terça-feira, 11 de maio de 2010

ESCUTATÓRIA

Escutatória

Rubens Alves
Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar.
Ninguém que aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular.
Escutar é complicado e sutil. Diz Alberto Caeiro que “não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma”. Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia.
Parafraseio o Alberto Caeiro: “Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio da alma”. Daí a dificuldade: a gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer.
Como se quilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor.
Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos....
Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os estados Unidos estimulado pela revolução de 64. Contou-me de sua experiência com os índios. Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silencio. (Os pianistas, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silencio, (....). Abrindo vazios de silencio. Expulsando todas as idéias estranhas. ) Todos em silencio, à espera do pensamento essencial. Aí de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem.
Terminada a fala, novo silencio. Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos, pensamentos que ele julgava essenciais. São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se eu falar logo a seguir, são duas as possibilidades: Primeiro: “Fiquei em silencio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado”. Segunda: “Ouvi o que você falou. Mas isso que você falou como novidade eu já pensei h[á muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou”. Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada.
O longo silencio quer dizer: “estou ponderando cuidadosamente aquilo que você falou”. E assim vai a reunião. Não basta silencio de fora. É preciso silencio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silencio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.
Eu comecei a ouvir.
Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras.
A música acontece no silencio. A Alma é uma catedral submersa. No fundo do mar – quem faz mergulho sabe – a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia e que de tão linda nos faz chorar.
Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também.
Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam em um contraponto.